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Maria vai com todos

Estórias. Histórias. Pessoas. Sítios. Viagens.

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O outro mapa do Japão

08.07.15

japao_bambu_kyoto.jpg

 Floresta de bambus, no bairro Arashiyama, em Kyoto

 

Esta parte não sei se é verdade, eu só imagino.

Imagino que cresceu numa aldeia perto de Kyoto, nos anos 50. Teve amigos, com quem tomava batidos e com quem passeava pelas ruas de bicicleta. Com a família ia aos domingos pelo bosque e lia mangas à beira rio. A vida era igual à de toda a gente e estava bem assim! Mais tarde, tal como ele previa, os pais dissuadiram-no de ser pintor. Arquitectura era mais apropriado e seguro. Mudou-se para Kyoto! Como era grande! Como era diferente! alugou um quarto em cima do super-mercado, onde trabalhava quando não estava na universidade. Os pais tinham mais filhos, não podiam pagar tudo!

Também quando acabou a universidade tudo era igual: as noites no pequeno apartamento, onde só cabia um colchão, a enviar currículos e a preparar entrevistas. Durante o dia, lá andava ele, de metro em metro, de autocarro em autocarro! Os sapatos magoavam-lhe os pés e a gravata sufocava! Apertava mãos, sentava-se, recusava o copo de água por educação e limpava o suor das mãos às calças. Mais uma entrevista. Perguntas técnicas, perguntas traiçoeiras, perguntas abstractas, "onde se vê daqui a 20 anos?" ou "com que animal se identifica?"

A principal diferença agora é que agora estava sozinho na grande cidade. Os amigos da universidade estavam demasiados ocupados. A maioria, como ele, de entrevista em entrevista. Alguns amigos, poucos, já trabalhavam nas empresas da família. Um jantar ou uma noite de karaoke eram agora planos impossíveis! E ali estava ele, cada vez mais pequeno, mais só, mais triste!

Um dia decidiu ir-se embora. Pôs alguma roupa num saco de viagem, comprou um guia de viagens sobre a Europa e foi. 

 

O que eu sei mesmo, foi que recentemente, ele voltou ao Japão - ele sentia falta do verde do Japão! Nenhum lugar do mundo tem um verde daquela cor!

Ele agora está em Kyoto, pinta postais e vende-os aos turistas que passam pela floresta de bambu, no popular bairro de Arashiyama! Não se lembra da última vez que usou a gravata apertada ou uns sapatos fechados. Também não se lembra da última vez que não sorriu. Ele que agora fala inglês, espanhol, italiano e um pouco de alemão. Conhece a Europa melhor do que o Japão e sente falta do calor do Mediterrâneo.

Quando alguém pára junto dos seus postais, ele pergunta logo de onde é cada um. Imediatamente, ele abre um enorme atlas do mundo, onde cada país está representado em uma ou duas páginas (consoante o tamanho de cada país) e escreve o nome da pessoa, no atlas, marcando o lugar de onde cada um vem. Eu estreei o mapa de Portugal! Da China à Coreia, da Itália à Rússia, dos Estados Unidos à Argentina, de Marrocos a África do Sul, ele tem sempre uma palavra para dizer, nem que seja "obrigado" na língua nativa de cada um. E ele sorri. Sorri muito - mesmo aos que não compram.