Memórias de Varsóvia - parte II
No dia seguinte, lá vou eu com o meu mapa cool à procura do centro, que não é centro, mas que está no centro das coisas a visitar em Varsóvia. Perco-me e exaspero-me. Parece que estou numa cidade, ignorada pelos próprios habitantes. Mostro o mapa e abanam a cabeça. Pergunto e ignoram-me. Tento o inglês e ninguém me entende. Começo a duvidar sobre a existência desse mesmo centro. E a chuva que não pára.
Quando por fim pára, deparo-me com os grandes edifícios históricos e imponentes, com os seus materiais claros, e levam-me a acreditar que estou no caminho certo. Pelo meio uma exposição: “Proud Warsow”. Pequenas textos acompanham fotografias que contam a vida da cidade depois da Primeira Guerra Mundial. A arma apontada ao menino polaco por um soldado alemão também está lá. E muitas. As segregações dos passeios para judeus e não-judeus. As mulheres a cozerem as estrelas de David nas suas roupas. Depois: os guetos. A guerra e a destruição de Varsóvia: antes das bombas, após os bombardeamentos, durante a recuperação e agora. É impressionante. Varsóvia é como esses velhos casmurros, que sobrevivem a tudo e resmungam "vaso ruim não quebra". Sobreviveu para contar. E assim como uma avó que nos conta as histórias do seu tempo e das dificuldades que passou, também Varsóvia faz questão de nos mostrar que orgulhosamente sobreviveu a tudo isto. Depois disto é impossível ficar indiferente a tudo que se vê. A cada edifício, cada passeio ou flor nos jardins. Ou até mesmo ao outro centro, o feio.
Por fim, o tão esperado centro. LINDO. Um amor. Depois da guerra, os próprios polacos o reconstruiram usando uma boa parte dos destroços causados pelos bombardeamentos. Várias pracinhas, muitas flores nos beirais e com o sol a surgir a lembrar que é Primavera, afinal. Porém, aquele centro agora tão turístico, já não é Varsóvia de hoje. É uma Varsóvia que ficou algures no tempo. E ao percebermos isto, aquele centro feio e de prédios altos já não nos parece tão feio, nem tão desprovidos de carácter. É, sim, sinal de uma nova Polónia. Uma Polónia que ainda durante a segunda guerra, se viu invadida pelo exército soviético e que mesmo após de todos os esforços de resistência contra os nazis, foi esquecida pelos Aliados, que a ofereceram de bandeja a Estaline, tendo continuado agregada pela Rússia até 1991. Aquele centro feio é a pressa de se libertar de um comunismo autoritário, severo e com muita censura, que durante anos travou a Polónia.Tudo o que podia contrariar o regime de Moscovol ali se instalou.
Para perceber tudo isto é essencial visitar o Museu da Guerra.
Enquanto esperava pelo Tram que não chegava, achei por bem perguntar se estava na paragem certa. Óbvio que não estava. Como tinha algumas dificuldades com o inglês, a senhora perguntou-me se falava russo ou português. “Como??? Português??? Mas eu sou portuguesa!” Grande alegria. Ela tinha vivido muitos anos em Portugal e ainda se lembrava “um bocadinho”. Contou-me que por vezes falava sozinha para não se esquecer. Levou-me até à paragem correcta e esperou pelo Tram comigo, explicando ao motorista onde eu devia sair. Enquanto isso falámos de Portugal, do sol e dos pastéis de nata.
O Museu da Guerra é qualquer coisa de... esmagador. Fotos dos bombardeamentos e do Holocausto que eu nunca tinha visto e que não estava preparada para ver. Relatos impressionantes, objectos reais. E sons, muitos sons. Não pedi um guia e fiquei com pena. Fui-me colando a muitos grupos, pois parece impossível trabalhar ali e não ser também uma parte da história da cidade : “Vêem esta foto? O meu tio morreu nesse dia” ou “Esta era a casa dos meus avós” ou “O Exército Vermelho levou o meu primo e ainda hoje não sabemos o que lhe aconteceu”. A naturalidade com que contam estas histórias é impressionante.
Em Varsóvia é impossível ficar indiferente ao enorme edifício soviético que ainda hoje estão noutras capitais que viviam sob as ordens de Moscovo. O típico edifico comunista e feio. Os polacos chamam-lhe o “Bolo de Casamento de Estaline” – eu bem vos digo que estes polacos são duros.
"Vou-não-vou. Vale-a-pena-não-vale. Pago-não-pago." Acabo por ir. para logo a seguir me arrepender. Um centro cultural fraquinho, com pouco para ver ou fazer. Se bem que, a vista até é jeitosa.