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Maria vai com todos

Estórias. Histórias. Pessoas. Sítios. Viagens.

Maria vai com todos

Estórias. Histórias. Pessoas. Sítios. Viagens.


Vou para o trabalho e ele lá está. Volto e ele lá está. E já todos (todas) falam e mimi!
Parece que está para estrear as Sombras do Grey, são 50 e eu prefiro opinar já, que fica assim o caso arrumado.

Ora, há muitos anos atrás, quando eu ouvi falar que andava tudo tolinho (tolinha!), com um livro erótico para o mulherio, com fantasias e palmadinhas, eu pensei "Epá, pipi power! Vaginas livres!" e pareceu-me muito bem.
Depois, creio que numa revista, li uns excertos e achei aquilo, assim para o pobrezinho e com uma escrita a deixar um pouco a desejar. Eu faço parte dos que acredita que o que importa é ler, mesmo que isso implique ter na estante coisas da Margarida Rebelo Pinto ou do Paulo Coelho - sai diabo! Como diz o povo "cada um sabe de si" e, voltando ao início, o que importa é ler.

Numa aula, partilhei a minha opinião e uma aluna defendeu com tanto ardor o livro, que nesse mesmo dia me mandou o pdf em espanhol. E eu li.

E meus amigos, que porra é aquela?! Nem falo da (ausência de) qualidade da escrita. Mas, a sério, que porra é aquela?

Primeiro, temos a moça, uma virgenzinha, cheia de moral (as piores, como todos sabem), que logo na primeira queca atinge o orgasmo e aquilo é do caraças. Ele coitadinha, muito purinha, nunca pinou, mas TAU acontece e à primeira já adora.
Adiante, claro que ela, virtuosa como é, só entra naquele mundo de taradice, porque gosta mesmo muito dele - mas mesmo muito! Sim, porque uma gaja não pode gostar de mandar umas, de levar umas pamadinhas no bumbum, nem de realizar as suas fantasias, só porque sim, só porque gosta. NÃO! Em tudo, ela é submissa e se o faz, é porque gosta mesmo muito do moço, mas mesmo muito, que ela não é menina para casos de uma noite, pobrinha!
Mas que ninguém se preocupe, porque, primeiro, ele é uma jóia de moço, adoptado por uma boa (e milionária) família, cheio de classe, dos que ouve ópera, sarado que se farta e cheio de dinheiro, assim a atirar para milionário, já vos disse? Achavam mesmo que esta era uma história sobre o canalizador e a virgem?!

O mesmo com ele. Aquela coisa do sexo é pura evasão! O senhor Grey, um franguinho sem barba, só tem todas aquelas manias do sexo, TACHARAN, porque foi vítima de severos maus-tratos na infância.
O que pensavam? Achavam que era só pinar-por-gosto-tipo-coelhos?! Que Jesus venha à terra, se alguém de forma natural e livre de dramas psicológicos, goste tanto assim de sexo e seja capaz de produzir/consumir tamanha badalhoquice. É que, amigos, como diz o cartaz, o Senhor Grey não faz amor, ele fode... e faz contratos.

Como se isto não bastasse, o drama da Cinderela continua. Sim, ela é uma Cinderela, à espera que o amor lhe bate à porta, só não limpa pratos! Ela começa o livro como Gata Borralheira e logo depois, ela é jóias, ela é viagens a Paris e passeios de jacto. Ela, maluca, até põe um vestido e saltos altos... por amor, claro está!

E claro que ele anda à porrada por ela, porque aquilo que era apenas um contrato, passa a ser... amor.
Se até na vida real seria difícil deixar um gajo assim (bem, difícil mesmo, seria encontrá-lo!), neste livro, então, é impossível. E lá seguem mais dois livros sempre naquilo, até ao felizes para sempre, onde só se faz amor e nada de fodas.


E não, não me chateia que haja quem leia isto, nem o zumzum à volta de um (mau) livro. Cada um lê o que quer e, mais uma vez, o que importa é LER. Só parem é de apregoar que este é um livro feminista ou que apela à libertação sexual da mulher.
Chateia-me, que nem num livro do século XXI, uma mulher possa foder, só porque sim, porque gosta. Chateia-me que não haja uma personagem feminina na ficção disposta a realizar 283772 mil fantasias sexuais, sem ter que ser uma tontinha sem sal, em busca do príncipe encantado.

Primeiro, os gritos. Os insultos. As ameaças.
Depois, as patadas, os socos, os tabefes.

Quando quis ir embora, as desculpas e as juras do amor eterno. Tudo ia ser diferente e ela ficou.
Pouco tempo depois e durante algum tempo, ela acreditou nele e que "não valia nada!", que estava "tramada" e que era "uma puta do pior".
E sempre mais pontapés, murros e gritos.

Os amigos diziam que estava abatida. Falava menos, não sorria, assustava-se facilmente.
Depois, deixaram-se de queixar, porque ela deixou de aparecer.

Mais bofetadas, a faca junto ao corpo, os filhos a chorarem.

Até que um dia ela fez queixa.
Não se foi embora, porque não tinha para onde ir.

Na polícia anotaram a queixa e mandaram-na para casa.

Os outros arregalaram os olhos. Surpreendidos diziam que "ele não seria capaz de uma coisa assim" e quando ela não estavam diziam "que só quem está dentro do convento é que sabe o que vai dentro". No trabalho ninguém nunca lhe viu uma negra e "olhe que na festa da empresa, ela ia com um vestido bem curto!"
Na família, houve até quem lhe perguntasse "Mas o que é que tu lhe fizeste, rapariga? Alguma fizeste!".

No tribunal, ele voltou a chorar, até pôs a mão no peito, jurando pelos filhinhos.
Hoje ela morreu. Ele matou-a.



La Latina, Madrid

As minhas palavras/expressões favoritas em espanhol:

Chiringuito
Um chiriguito é um bar na praia. Simples.

Cutre
Não há uma tradução directa para português. Algo "cutre" seria como algo piroso, sem gosto, ultrapassado ou fora de moda, mas que até é bom. No fundo é algo tão mau, tão mau, que acaba por ser bom.
E Espanha é a rainha do "cutre". Por exemplo, Almodovar. Se desmontarmos as histórias dos filmes, aquilo está ao nível de uma novela mexicana de classe B, mas a verdade é que é bom.

Cachondeo
Em (bom) português, seria a puta da loucura. Um momento ou uma noite super divertida, sem controlo. Não confundir com ser ou estar cachondo, por favor - isso já seria estar excitado. Com a tusa, se é que me entendem.

Me cago en Dios / Me cago en la puta
É muito bom, sobretudo quando se ouve a primeira frase da boca de um velho beato e a segunda de uma velhota de casaco de peles, mesmo que falso.
Aliás, para mim alguém que assuma que se cague seja como ou onde for, já tem uma gargalhada minha assegurada.

Te invito
Literalmente significa "convido-te", porém em espanhol, "invitar" a alguém significa também pagar a conta.
Eu acho isto bonito, porque não há discussões de dinheiro, nem alusão ao mesmo. E (mais importante) corta também com aqueles intermináveis "Pago eu! / Não, pago eu! / Deixa, eu pago!".

Tuteame
Com o fim do franquismo, o "usted" (você) desapareceu aqui em Espanha, dando lugar à generalização do tu. Quanto muito usa-se a forma formal num primeiro trato, mas logo depois e de forma natural é mudado para o uso informal do "tu".
Ora, eu como boa portuguesa, educada entre "doutores e engenheiros" tenho uma grande dificuldade em atirar-me ao "tu", sobretudo com pessoas mais velhas ou nos serviços (bancos, lojas, etc.).
Por isso e com frequência, escuto dizerem-me "tuteame" como quem diz: trata-me por tu.


Sou pessoa para achar que se pode fazer piadas com tudo: criancinhas, cancros, a morte, etc.
Acho que no humor vale tudo. Se é bom, rio-me. Se não achar piada, sigo com a vida. Não reclamo, nem me insurjo.
Entendo as pessoas que reclamem. O bom da comédia é que muitas vezes nos faz parar e pensar "porra, eu faço isto" e nem todos gostam de realizar uma auto-crítica, quando é suposto estarem a rir.
Na maioria, as pessoas levam-se demasiado a sério.
Outros ou os mesmos, simplesmente defendem que há assuntos com os quais não se fazem piada e ponto final.

Quando na semana passada, 12 pessoas morreram em Paris, por causa de um cartoon, fiquei chocada. E fiquei sobretudo muito zangada - o acto de alguém tirar vida a outro alguém propositadamente, causa este efeito em mim.
Acredito que muitas pessoas que ontem se manifestaram em Paris, possivelmente não achavam muita piada à revista Charlie Hebdo, nem aos cartoons publicados. Elas simplesmente acreditaram que deviam manifestar-se em prol de algo mais importaste do que o humor: o direito à liberdade de expressão, essa coisa tão essencial em democracia. E é bonito ver tamanha solidária, numa época em que andamos todos tão descrentes.

El coche de Intisar


Este fim-de-semana li um livro chamado "El coche de Intisar" de Pedro Riera e Nacho Casanova. Uma banda desenhada que em 2013 ganhou o prémio France Info, para o melho Comic de Actualidade e Reportagem (recomendo!).
Tudo começou quando Pedro Riera foi para o Yeme, viver durante um ano devido ao trabalho da sua companheira.
Também graças a ela, foi tendo conhecimento e contacto com algumas mulheres e histórias, nas quais se inspirou para escrever o livro.
É um bom livro, dá para pensar, valorizar, mas é também simples e divertido, com algumas situações quase anedóticas.

Num dos capítulos, a personagem principal conta que sempre que tem oportunidade, gosta de falar com estrangeiros (ocidentais) sobre a sua visão sobre o Yemen, religião, etc. E refere que sempre que pode, pergunta sobre os cartoons de Maomé desenhados na Dinamarca.
Ele não é radical, nem defende a violência praticada contra os cartoonistas, nem acha que devem ser castigados. Ela simplesmente não entende (e ao que parece que nunca ninguém lhe conseguiu explicar) o porquê e a "nossa" insistência em desenhar algo tão sagrado para milhões de pessoas no mundo. Ela explica que esses desenhos são como "se a nossa mãe nos cuspisse na boca".
No final, ela conclui que ou "nós" não temos nada tão sagrado e intocável ou que para "nós", a única coisa realmente sagrada é a liberdade de expressão.
Eu vou pela segunda.

Este capítulo fez-me pensar na comunicação surda em que vivemos - e atenção, óbvio que NADA justifica este ou qualquer acto de terrorista.
Lamento sinceramente a morte de qualquer tipo de terrorista, que logo passam a ser vistos como mártires e glorificados, quando o destino devia ser a prisão.

No Ocidente, islamismo, cristianismo, judaísmo, etc. são religiões que há muito que perderam o lugar de primário e de sagrado na vida de cada um e/ou na sociedade. É claro que ainda há quem se indigne com sátiras feitas ao Papa, mas daí a colocar bombas vai um passo.

Acredito que nenhum dos cartoonistas assassinados teve alguma vez como objectivo ofender os muçulmanos ou as suas crenças de uma forma tão profunda.
Todos os dias, humoristas e não-humoristas fazemos uma auto-censura. Sim, tudo pode ser divertido, mas há 2983 mil e uma coisas com as quais não escutamos/fazemos piadas. Assim de repente, nunca ouvi um humorista usar a palavra "preto" numa piada sobre alguém de raça negra (posso estar enganada).
Representar Maomé ou Alá é uma forma simbólica de representar as instituições, os fundamentalistas que agem em nome da religião e da fé para justificarem terror ou a fé.
Será que se optassem por uns minaretes não teriam conseguido o mesmo efeito?

Eu também acho que somos todos Charlie e acredito profundamente que todos os dias podemos e devemos lutar em prol das nossas convicções e pela liberdade de expressão. Admiro também os trabalhadores do Charlie Hebdo, que nunca desistiram do seu trabalho e não se acobardaram face às ameaças de brutos ignorantes e mesmo rescindindo das suas liberdades (um tinha segurança) continuavam a trabalhar no que acreditavam.
A mim, só me preocupa este nosso autismo mutuo. Até quando?

Em Madrid, em menos de um mês:

- Antes do Natal, um homem desesperado e que perdeu tudo, com botijas de gás enfia-se pela sede do PP. A coisa não explode por pouco.

- Na semana passada a estação de Atocha fecha, depois de um homem ameaçar que tem uma bomba. Mentira. Era só tolinho desocupado.

- Esta semana nova (ameaça de) bomba, mas em Nuevos Ministérios.

Vamos lá ver quando é que isto rebenta a sério!




... ou simplesmente alguém capaz de desenhar algo, eu teria feito algo assim, como o cartoon da primeira página do jornal i
.
Apenas teria Maomé a ler uma edição do Charlie Hebdo, de preferência com ele na capa e a rir, mas a rir muito, mesmo muito.



07 Jan, 2015

#jesuischarlie

Esta merda deixa-me mesmo zangada.
Há gente que acha que pode matar outra gente... por causa de um cartoon. Músicas, desenhos, textos, etc. são outras possibilidades.
E depois há os comentários.

E depois, (claro!), há gente que acusa toda a gente do Islão.
Esses sacanas muçulmanos que só dão problemas. Fossemos todos cristão e o mundo era paz e peixes multiplicados.

Há ainda a gente que crítica o multiculturalismo francês - sim, esse mesmo multiculturalismo do país dos Le Pen  e outras coisas que tais, que hoje não importam.
Essa França porca que aceita chineses, libaneses e até portugueses. Estavam bem a pedi-las!

Já para não falar da gente que aponta o dedo à "falta de subtileza" dos cartoonistas assassinados.
Ah, com que então foram avisados? Então, eles não sabem que os tempos não estão para brincadeiras? E que os muçulmanos não gostam de caricaturas de Maomé? Estavam mesmo a pedi-las.

Depois há gente que relembra que a gente europeia é tolerante. Que na Europa há liberdade de expressão, coisa que "eles" não sabem o que é - hein?! Como? Mas será que os assassinos não eram também gente europeia? Não há muçulmanos europeus?
Burra, eu! Claro que não!

12 pessoas morreram.
Hoje nem Maomé, nem Buda, nem Deus ou Alá terão grandes motivos de riso.


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