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Maria vai com todos

Estórias. Histórias. Pessoas. Sítios. Viagens.

Maria vai com todos

Estórias. Histórias. Pessoas. Sítios. Viagens.


Alguns amigos meus dizem-me que os pais deles mantêm de forma quase religiosa o quarto deles, mesmo após já terem saído de casa. Alguns até têm filhos.

No meu caso, a mudança foi gradual.
Primeiro tiraram as fotografias, pois tinham que pintar o quarto. Depois, colocaram uma máquina de costura.

E agora mudaram a cama, tendo o meu quarto sido convertido oficialmente num quarto de hóspedes. Restam-me os livros, alguma roupa e as minhas caixas e caixinhas.

Eu sempre guardei tudo - papéis de rebuçado, bilhetes de metro, pétalas de flores, etc. Eu que tenho uma memória de miséria, no que toca até a pessoas; mas consigo recordar-me só de olhar para um papel de sugo, o que fiz, com quem estava e a importância desse momento para mim.

Por isso, na outra noite, quando a minha mãe me veio com dois sacos de tudo o que restava da minha antiga secretária, para ver "o que presta", eu entrei em pânico.

Angustia-me pensar que possa ter ido para o lixo alguma coisa importante. O desenho de alguém. Um texto meu. Uma carta de um amigo.

Gran Via (Madrid), oito da manhã


A prova como Madrid estraga uma pessoa:

- Não estou em Madrid, é quase meia-noite e não há restaurantes abertos, nem um café que faça tostas. E como é que eu fico? Indignada, pois claro.

- Não estou em Madrid, peço uma cerveja  e nada de tapas. Nem uma batatinha! E como é que eu fico? Indignada, pois claro.

Sou toda uma pessoa dada a aniversários. Gosto da festa, da celebração, do carinho e que se lembrem de mim. É verdade, sou um vil ser, sem auto-estima, que aprecia carinho e afecto.
Adiante.
Como nasci num dia de particular piroseira mundial, sempre dei por mim a pensar que há alturas mesmo más para nascer. Cá vão:

Nascer no início/final de Dezembro, início de Janeiro.
"Ai-ai-ai-que-o-Natal-está-a/já-passou". Conclusão? O pobre aniversariante fica remetido à humilhante condição de apenas poder ter uma BOA prenda.
Já para não falar que festas de aniversário com gorros de Pai Natal e luzinhas natalícias... ninguém merece!

Pior mesmo, só fazer anos na semana do Natal.
Assim sendo a festa de aniversário, passa a festa familiar e, ainda pior, o presente do Natal passa a ser também o dos anos.
E para piorar: crescer numa família beata e ter que escutar constantemente as belas anologias do "és um menino Jesus"!

Depois há o terror dos aniversários no Verão, em particular em Julho e Agosto.
Toda a gente está de férias! O que é suposto celebrar? Ou melhor: com quem? Onde estão os meus amigos?

Outro dia bastante lamentável para se nascer, é no Dia dos Namorados.
Todos os aniversariantes deste lindo dia, com certeza cresceram escutando:
- "Que sorte que tu tens, quando tiveres um(a) namorado(a) vais receber duas prendas. Ou então não! Ele(a) pode ser um(a) forreta e tu só receber uma!"

Nascer no dia 29 de Fevereiro.
Agora a sério: o que é aquilo? É suposto haver um lusco-fusco temporal para a celebração. E sim, ok, podem sempre celebrar no dia 28 ou dia 1 de Março... mas isso não pode ser a mesma coisa. Ou é?

E depois, claro, há os dias festivos de cada país.
Em Portugal, uma criança que nasceno 25 de Abril é presenteada com cravos vermelhos. No mesmo dia, na Ucrânia, é o dia dedicado aos documentários na TV e a não esquecer o desastre de Chernóbil. Vidas!

Mais alguma idéia por aí?

19 Dez, 2014

Os vizinhos



Aquele, não era um parque bonito. A relva estava gasta e havia muitos espaços com a terra seca, que faziam linhas, que se cruzavam, como se a terra ruísse. Mesmo assim, no meio de todos aqueles prédios, todos iguais e de janelas pequenas, aquele era o único parque.
Pela manhã, alguns velhos dromitavam ao sol. À tarde, algumas crianças brincavam nos velhos baloiços, já sem cor e muita ferrugem. Pela noite, só mesmo uns grupos de jovens é que por ali se reuniam e ao som de música, fumavam os cigarros comprados à socapa e bebiam litronas. Havia quem passeasse os cães, mas poucos.

Um dia ele viu-a e ela viu-o também. A viver naquele bairro desde que nascera e a trabalhar duas ruas abaixo, reconhecia uma cara nova à distância. Ela sorriu-lhe, mas virou a cara, puxando o rafeiro pela trela. Mesmo assim, ele ficou contente, há já muito tempo que ninguém lhe sorria e baixou-se para pegar a caganita da cadela, com o saco de plástico na mão. Odiava aquela a cadela e limpar a merda dela, humilhava-o ainda mais. Ele nunca quis a bicha. Era minúscula, ridícula e latia sem parar. Sentia-se um pateta ao lado dela. Menos mal que agora não usava aqueles lacinhos e casaquinhos que a ex-mulher insistia em colocar na bicha.
Quando a mulher o deixou, ele ainda pensou em vingar-se, abandonando a cadela, mas não teve coragem. Em vez disso, pegou-a entre mãos e elevando-a à altura dos olhos disse-lhe: "Acabaram-se as mariquices!".
Para ele acabaram-se também as comidas de dieta. E mudou de casa, para uma casa que podia pagar e mais perto do trabalho.

Passadas três semanas e várias saídas frustradas, a mulher entendeu por fim a que horas ele passeava a cadela e passou a ir a esse horário também.
Nas semanas seguintes, nem se atrevia a olhá-lo. Era só o que faltava e que o atrevido pensasse que ela estava interessada. Ao mesmo tempo, a sua cabeça e o seu coração fantasiavam com frases românticas, gelados a dois e flores no escritório.

Quando ele por fim falou com ela, ela fez-se cara e respondia-lhe em monossílabos.
Ele dizia que a cadela dele precisava de amigos e que a bicha parecia simpatizar muito com o cão dela. Ela acabou por concordar.
Já os cães, estes nem se cheiravam. O Tobias era um rafeiro, já cego e sem pêlo, que em tempos fora um bom ajudante de caçador. O Tobias era o filhos que ela nunca pôde ter e a única recordação viva que lhe restava dos pais já mortos.
Só aqueles dois poderiam imaginar um romance entre aqueles dois animais.

Conversa puxa conversa e os passeios alongaram-se, por vezes sentavam-se cinco minutos no banquinho de madeira descascada e falavam do tempo, sempre imprevisível ou do país, que ia sempre muito mal.
Um dia ela não se apareceu. Nem no seguinte.
Ele preocupou-se e, sem se dar conta, procurava-a.

Quando ela apareceu, ela explicou que tinha tido uma gripe e ficou de cama, mas que agora estava melhorzinha, com a graça de Deus. E isso era o que importava e que até já tinha ido trabalhar naquele dia, que o consultório do Dr. Antunes sem ela, ficava de pantanas.
Foi aí que ele respirou, ganhou coragem e lhe pediu o número. Ela imaginou os dois em Belém, a comer pastéis e a passear de mão dada, mas disse que não.
Ele falou do Tobias ("e se lhe volta a acontecer alguma coisa, quem passeia o Tobias?"). Ela não gostou de ver a solidão dela assim tão exposta e ele contra-argumentou de como a cadelinha ficara triste nesses dias de ausência, parecia até deprimida, nem comia a pobre. Foi, assim, que ela afagando a cadelinha, acabou por assentir e dar-lhe também o número do trabalho.

Ouço isto desde que fui de Erasmus para a Turquia.
Mais tarde, fui para a Letónia estagiar e mesmo não tendo sido eu a escolher o destino (fui comprovar no mapa onde estava o país) e a pergunta perseguiu-me.
Também se manteve quando disse que ia a Laos. Ou ao Cambodja. Ouvia-a também quando fui para a Índia e até quando escolhi o Peru (o Peru, senhores) como destino.
Mais recentemente, foi como o Irão.



Assim sendo, aqui vão as respostas.
E é por isto que eu viajo:

Sinto-me francamente feliz enquanto viajo.
Não que eu seja alguém com tendências depressivas, bem pelo contrário; mas em viagem sinto-me sempre feliz - e sim, eu já chorei e até já desesperei em viagem. Eu, que adoro dormir, dou por mim super activa e cheia de energias para ir, fazer e acontecer.

Contrariar os outros I: pessoas.
"Ali é só pobreza!", "São só terroristas!", "Todos brutos!",...
Eu acredito que neste mundo há mais gente boa que má, porém dá-se mais visibilidade à maldade do que aos actos bondosos (basta abrir o jornal!). E sempre que viajo comprovo isso.
Comove-me encontrar pessoas boas, generosas e simpáticas. Pessoas dispostas a ajudar, a falar sobre elas, sobre o seu país e cultura. Gosto de poder contrariar alguém e dizer que "sim, eu sei. Lá, eles não são assim!".

Contrariar os outros II: clichés.
"Só comem arroz!", "Aquilo é muito violento!", "Está sempre nevoeiro!"
No meu país (onde nasci e onde moro) também há violência e roubos e violações e mortes e doenças. Sabe bem dizer que os polacos bebem algo mais do que vodka ou que no Peru se come bem mais do arroz (que saudades da comida Peruana!).
Viva arrasar clichés e estereótipos.

Ir para onde ninguém vai.
Isso, meus amigos, é um privilégio. Eu quero ir onde os outros vão, mas quero também ver o que poucos vêem. Gostei mais de Luang Prabang em Laos do que de Amesterdão na Holanda. Os "frescos" e a capela de Goreme, da Capadócia (na Turquia) conseguiram-me emocionar mais do que o Vaticano. Talin (capital da Estónia) dá dois a zero a Helsínquia, na Finlândia.

Viver Viver. Viver 
(ou experimentar, experimentar, experimentar).
Eu já comi tartaruga (nada de que me orgulhe), iogurte com feijão e milho (nojinho) e escorpiões (crunchy).
Já andei num elevador na selva (uau), usei um chador (&%"#), andei de cobertor a fazer de saia e dormi nas cozinhas de gente que não conhecia e até em conventos.
Sou melhor pessoa por causa disso? Não, não sou.
Mas saí da minha zona de conforto, experimentei e vivi. E são estas pequenas coisas que me motivam a planear a próxima viagem e que me ajudam muito a tirar o cu da cama todas as manhãs e a ir trabalhar. É bom saber que há todo um mundo, cheio de pessoas e 3824973498 mil experiências novas que ainda me esperam.

A certeza de que "o meu país não é melhor que o teu" (nem eu!).
Sair da zona de conforto é bom. Deixar as comparações de lado também - que "estranhos", "fazem tudo diferente!", etc. A nossa cultura/sociedade/país/etc. não é padrão para ninguém, apenas para nós mesmos. Comer pão e beber leite com café ao pequeno-almoço não é "o que toda a gente faz". E uma manga sabe diferente em Lisboa ou na Tailândia.
Quando viajamos e nos entregamos deixamos de lado expressões como "assim é que se faz" e tornamo-nos mais empáticos, mais livres e mais conscientes. Pessoas melhores(?).

A reforma.
Maldivas e outras que me aguardem: aos 65 anos aí estarei!


Lembro-me de uma vez ler um comentário no Facebook, sobre os cortes no programa Erasmus, em que alguém dizia que este programa era a única coisa que evitaria uma III Guerra Mundial na Europa.
Não sou tão extrema, mas acredito que se o Bush tivesse ido de mochila às costas, ao Iraque, jamais teria havido guerra - sou uma tontinha, eu sei!

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