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Maria vai com todos

Estórias. Histórias. Pessoas. Sítios. Viagens.

Maria vai com todos

Estórias. Histórias. Pessoas. Sítios. Viagens.


A Ana Moura é a mais fofnha. E tenho dito.


DESFADO
Quer o destino que eu não creia no destino
E o meu fado é nem ter fado nenhum
Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido
Senti-lo como ninguém, mas não ter sentido algum

Ai que tristeza, esta minha alegria
Ai que alegria, esta tão grande tristeza
Esperar que um dia eu não espere mais um dia
Por aquele que nunca vem e que aqui esteve presente

Ai que saudade
Que eu tenho de ter saudade
Saudades de ter alguém
Que aqui está e não existe
Sentir-me triste
Só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem
Só por eu andar tão triste

Ai se eu pudesse não cantar "ai se eu pudesse"
E lamentasse não ter mais nenhum lamento
Talvez ouvisse no silêncio que fizesse
Uma voz que fosse minha cantar alguém cá dentro

Ai que desgraça esta sorte que me assiste
Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada
Na incerteza que nada mais certo existe
Além da grande certeza de não estar certa de nada

25 Nov, 2014

Sobre a novela

Há muito tempo que não gostava tanto de uma novela, como desta que estreou na sexta-feira passada.
Só é pena os intervalos serem tão grandes. Ontem, enquanto esperava pelo desenvolvimento, tomei banho, lavei os pratos, respondi a emails em atraso e ainda liguei à família.

Mas merece a pena, mais que não seja pelo argumento. Nem o Moita Flores!


21 Nov, 2014

Imperativo

Ando um pouco farta dos imperativos, seja na imprensa, em cartazes e na vida em geral.

"Faça isto!
Como aquilo.

Leia estes livros.
No Inverno use.
Esta estação vista."

E claro, as listas, os:
"Livros que tem que ler.
Listas de filmes "must see"
Restaurantes obrigatórios."

Parece que há todo um mundo de pessoas que sabe o que é melhor para mim e que me quer obrigar a viver.
Eu quero descobrir, quero explorar e descobrir sozinha. Até porque quero poder não gostar, quero criticar e falar mal também. Agradecida.

Valência, Espanha

Todas as terças e quintas-feiras, pelos 6h30, ele desaparecia. Era um bom homem, apesar de calado e reservado e ela gostava muito dele. Quando andavam com o carrinho pela cidade, a recolher sucata de metal, era sempre ela quem falava pelos dois.
Falava dos pais de quem não se lembra e das duas instituições por onde passou. Contava que quase esteve para ser adoptada e perdia-se horas nesse monólogo, falando do carinho que não teve; das roupas bonitas que nunca lhe compraram; da maquilhagem que não experimentou; das saídas com amigos e dos primeiros namorados. Mais do que tudo, lamentava aqueles pais adoptivos que nunca teve. Uma vez esteve quase, mas eles preferiram levar a Lola, que era mais nova do que ela.
Podia ter tido um quarto só para ela, todo cor-de-rosa e cheio de brinquedos e bonecas - quando ela era criança, ela gostava muito de bonecas. Lembra-se dos anúncios na televisão, de bonecas que choravam e riam, comiam e diziam "mamã" e "papá" - ela também sabia dizer "mamã" e "papá", mas não se lembra nunca de o ter dito. De certeza que a Lola disse.
Quando chegou aos 18 anos, não tinha namorado, não usava roupas de marca, nem foi para a universidade. Se aqueles pais a tivessem escolhido... Mas não, eles levaram a Lola e ela ficou lá.
Quando ela teve que sair da instituição, arranjaram-lhe um quartinho barato ali perto e um trabalho num restaurante no centro comercial. De vez em quando, ia à instituição, mas com o tempo começou a ir menos e quando foi despedida não voltou mais.
Foi assim que foi para a rua dormir. E a rua é cruel. Para a Lola, a rua é o que liga os sítios (o cinema, a casa, a praia,...), mas não para ela.

Ela conheceu-o numa noite de Inverno, ele viu-a do outro lado do vidro, à chuva e como ela não parava de olhar, ele abriu a porta pesada que dava entrada para o multibanco e nessa noite, ela partilhou o cartão dele e os dois dormiram de costas voltadas, mas juntos para se protegerem do frio.
Nos dias, nas semanas e nos meses seguintes, ela ia sempre com ele. E não, não iam juntos; mas sim, ela ia com ele.
Ele era mais velho do que ela  50? 60?. Falava muito serenamente e era muito educado. Quando encontravam um jornal, ele lia-o e explica-lhe o que era a bolsa e as acções.  Ela queria saber mais sobre ele, quem era, o que fazia, porque estava na rua, se tinha mulher ou filhos. Ele sorria e por vezes respondia: "passou-me a vida por cima!". Uma vez passaram por um edifício de muitos andares e ele disse-lhe "Eu antes trabalhava ali. Lá em cima, no mais alto de todos!" Ela fazia mais perguntas, mas ele não respondia. E então, ela continuava e falava dela e da vida da Lola, que afinal poderia ser a sua.
Mas apesar de vaguearam juntos, todas as terças e quintas-feiras, pelos 6h30.

Um dia, encontrou-o por acaso. Estava na ponte do Parque Central e nem deu por ela. A mão dele tremia e apoiava-se ao carrinho, com força. Debaixo da ponte, no campo de futebol do parque, um grupo de raparigas tinha treino de futebol e corriam atrás da bola, enquanto um homem ia gritando com elas. Nos bancos, muitos pais batiam palmas e torciam pelas filhas.
Desta vez ela não falou, até que ele tirou a mão do carrinho e apontou para uma adolescente de cabelos encaracolados e disse: "Aquela é a minha Lola".

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