26 Ago, 2014
O marido dela está no Iraque
Ancara, Turquia |
De pequenina já sabia, ela queria encontrar um homembonito, apaixonar-se, casar-se, termuitos filhos e uma linda casa com jardim nos arredores da capital e ser felizpara sempre.Era um sonho simples e por isso, os cadernos da escola sempre estiveram cheios de corações desenhados por ela.
Apaixonou-se como tinha planeado. Chamava-se Ilker e eraum jovem bonito, bem falante, ajudantede pasteleiro e logo se casaram.
Em menos de um ano, nasceu a primeira filha e logo depoisveio outra menina. E outra e mais outra e outra. Em todas as gravidezes,tricotou roupinhas azuis, mas parecia que Allah se ria dela e dos sapatinhos de lã que fazia. O marido a cada gravidez, apaixonava-se mais e mais pelas suasmeninas, o que lhe causava uma certa irritação.
Com o tempo e a educação das filhas, vieram as primeirasdiscussões - todas discussões sem palavras ou gritos, que são sempre aquelas que doem mais.
Ela levava as meninas para a cozinha e dizia "sabercozinhar o yufka, deixando a massa estaladiça é um orgulho para qualqueresposa" e logo era interrompida pelo marido, que levava asfilhas ao Mausoléu de Atatürk e lhes falava de liberdade, coragem e progresso naTurquia moderna, que elas, "as suas filhas", iam ajudar a construir.
Quando saíam em família, ela ajeitava o lenço às meninas. Na rua, assim que alguma delas se começava a queixar por causa do calor ou de que olenço apertava o pescoço, o marido logo arranca os lenços das cinco e dizia"voem borboletas, voem", fazendo rir as adolescentes.
Enquanto ela rezava, ele contava histórias de guerreirose dragões. Mais tarde contava-lhes a história de turcas como Sabiha Gokcen.
Levava as filhas a ver futebol, com os amigos homens; incentivava-as a praticardesporto e aprovava os sonhos de cada uma. Aygul queria ser médica. Inci trabalharno banco de Ankara, fazendo muito dinheiro. Fairuza sonhava em ser professora dedesporto na universidade. Eken queria ser jornalista. E Aysel seria modelo ouquem sabe atriz: uma artista.
O divórcio chegou.
E com ele, a vergonha. Muita vergonha. Ela mudou-se paraos subúrbios de Ancara, não falava com os vizinhos e escondia o olhar.
Horroriza-a a ligeireza com que as filhas diziam aosoutros "os meus pais são divorciados!"
"Por Allah" pensava ela, "divórcio: quepalavra mais atroz!" e chorava.
Não forampoucas as vezes em que deu por ela a dizer coisas como "o meu marido estáno Iraque a trabalhar" ou "Vou falar com o meu marido e depois dou-lhea resposta".
Em algumas noites, ela esquecia-se e cozinhava para ele.Muitas vezes, comprou-lhe meias novas e sempre que passava na pastelaria da rua Arjantin, comprava o baklavav que o marido tanto gostava.
Perdão: o ex-marido.